quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O Espaço Cultural Unifor inaugura hoje mostra com 87 trabalhos do renomado paisagista, em sua incursão pelas artes visuais

Conhecido como paisagista, mas na verdade artista de múltiplas facetas, Roberto Burle Marx deu provas de seu talento também nas artes plásticas, área pela qual - chegou a revelar - gostaria de ter sido mais reconhecido. E é esse universo que a exposição "Burle Marx - Mostra Antológica e a Paisagem Monumental" explora a partir de hoje na Unifor. Com 87 trabalhos, a mostra (idealizada como uma homenagem ao centenário de nascimento do artista, comemorado no ano passado) traz um recorte das diversas fases de sua incursão nas artes plásticas.




A exposição conta ainda com um espaço no qual as chamadas Vistas Panorâmicas fazem a união entre "a pintura do nosso maior paisagista com a paisagem do nosso grande pintor", de acordo com o curador Antonio Carlos Abdalla. "Por óbvias razões acabou se consagrando no cenário artístico brasileiro e internacional, principalmente como paisagista, e sua carreira foi de inequívoco sucesso. Esta exposição, porém, não traz nenhum projeto seu de paisagismo. A omissão foi intencional".



Técnicas e períodos diferentes correspondem à parte da antologia, como um núcleo histórico da diversidade de seu trabalho. Já a "Paisagem Monumental" liga-se à exuberância tropical e à ousadia do artista de unir a paisagem às artes visuais. Além de pinturas, com as quais teve carreira brilhante e longa, desenhos e esculturas compõem a mostra.



De acordo com o curador, a trajetória de Burle Marx iniciou-se no figurativismo até chegar a um abstracionismo muito próprio. Assim como os jardins, suas pinturas bidimensionais exibem "intrincadas linhas retas e curvas, sobreposições de níveis, harmonia de cores associadas aos vários planos e elevações, como ele tão bem sabia construir com a flora local".



Homem renascentista



Escultura, tapeçaria, gravura, desenho, design de joias e projetos para móveis também fizeram parte do universo artístico de Burle Marx. Seu conhecimento vasto sobre diversos assuntos fez dele um artista original, de acordo com a arquiteta e professora da Unifor Fernanda Rocha. "Ele era um gênio original, que convivia com pessoas das mais variadas áreas: políticos, botânicos, arquitetos, durante os saraus que organizava. Tinha um conhecimento amplo também de música e gastronomia", cita, destacando ainda a generosidade. "Apesar de ser eloquente, firme em suas conceituações, valorizava o convívio humano".



Em Fortaleza, o Burle Marx paisagista deixou marcas importantes, como os jardins do Theatro José de Alencar. "É a obra mais íntegra hoje e que foi duas vezes objeto de intervenção: uma na década de 70 e outra nos anos 90. Está no centro da cidade e ao lado de uma edificação histórica importantíssima, que, com a nova administração, começa a ser valorizada não mais como algo residual", opina Fernanda Rocha. Outros projetos idealizados terminaram por não ser executados, como as intervenções nas avenidas Aguanambi, Leste-Oeste e José Bastos.



Burle Marx pregou a diversidade através da arte, como na frase citada pela arquiteta em artigo para o Caderno 3, na qual o paisagista aponta seu conceito de jardim: " um exemplo da coexistência pacífica das várias espécies, lugar de respeito para a natureza e pelo outro, pelo diferente; o jardim é, em suma, um instrumento de prazer e um meio de educação".



Histórias do artista solidário



O engenheiro agrônomo cearense Ricardo Marinho conheceu Burle Marx e com ele realizou em torno de 20 projetos em Fortaleza. O contato com o paisagista se deu ainda na época da faculdade, quando Ricardo resolveu ir ao Rio de Janeiro com o intuito de conhecer o paisagista. "Pra minha surpresa, ele me atendeu com gentileza, criticou os trabalhos que mostrei a ele e me convidou para um almoço no sítio. Depois retornei ao Rio e passei a frequentar o escritório. No início, foi um contato mais comercial, mas acabou virando uma amizade", relembra.



O profissional fala com orgulho de Marx, de quem herdou uma coleção de plantas preservadas em seu jardim. "Embora não fosse botânico, Roberto tinha um conhecimento amplo de consciência ecológica, uma maneira de projetar e uma precisão do traço impressionante. Tinha um caráter tremendo e amava muito o Brasil. Tem coisas que hoje faço e penso: ´Isso aqui o Roberto ia gostar´. Acabei com um traço parecido com o dele, é impossível fugir da sua influência", conta.



"Hoje vejo um paisagismo tão banal, muita matéria plástica, pasteurizada, baseada em fórmulas. Tenho saudade de ver o traço elegante e preciso do Roberto, por isso faço um esforço grande pra manter a memória dele".



Ricardo lamenta ainda o descaso com o projeto, concluído em 1993, de transformar a fazenda Raposa, em Maracanaú, em Jardim Botânico. No local, há uma coleção de palmeiras raríssima, descoberta por Burle Marx por meio de uma revista científica internacional. "Na época, conseguimos recursos, mas nada foi feito. Hoje está abandonado, inclusive atearam fogo por lá".



Já a arquiteta Nicia Bormann conheceu o paisagista no terceiro ano da faculdade de Arquitetura no Rio, durante o estágio no escritório dele. "Foi uma experiência única, que talvez eu tivesse aproveitado mais se fosse mais madura. O primeiro projeto que caiu nas nossas mãos foi do Aterro do Flamengo, pra você ter uma ideia", recorda.



"Ele era muito humano, sentava e conversava sobre o que estava fazendo. Me convidou para passar um fim de semana no sítio, realizando uma excursão de descoberta de novas plantas. Me introduziu no paisagismo e ensinou a ver a natureza com outro olhar". Para a arquiteta, o jardim do Grupo J. Macêdo é uma das obras mais emblemáticas. "É bem característico da época. Deveria ser preservado e recuperado".



MAIS INFORMAÇÕES:

Exposição Burle Marx - Mostra Antológica e a Paisagem Monumental. Lançamento para convidados hoje, às 19h, no Espaço Cultural Unifor. Aberta ao público a partir de amanhã. Visitas de terça a sexta, das 10h às 20h. Sábados e domingos, das 10h às 18h. Grátis. Contatos: (85) 3477.3319 / www.unifor.br



SÍRIA MAPURUNGA

REPÓRTER

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